A fumigação de grãos tem sido muito utilizado pelas empresas de alimentos para controle de insetos em alimentos armazenados. Apesar da grande maioria das empresas seguirem recomendações de fabricantes de fosfina e do Ministério da Agricultura, muitas empresas ainda acreditam que a qualidade do produto agrícola armazenado se resume unicamente a aplicar veneno. E, isso não é verdade.
Neste artigo mostrarei sobre a eficiência da fumigação com gás ozônio e discutir conceitos básicos e variáveis que interferem nos tipos de danos e perdas que podem ocorrer direta ou indiretamente como resultado da infestação de insetos em grãos, contaminação microbiológica e seus derivados. E, também dar uma breve visão sobre as aplicações de ozônio em grãos armazenados, seus benefícios e potencial substituto ao gás fosfina. Serão discutidos os efeitos do ozônio gasoso sobre as características de alguns exemplos de produtos agrícolas que podem ser tratados com ozônio.
A “fumigação” é um tipo de controle de pragas com produto químico gasoso usado para controle de insetos-praga vivos presente em produtos agrícolas. A palavra teve sua origem na palavra inglesa “fumigation” que pode ser também traduzida para o português como “expurgo” ou “fumigação”. O processo resume-se em um tratamento químico realizado com compostos químicos ou formulações pesticidas (os chamados fumigantes) voláteis (no estado de vapor ou gás) em um sistema hermético (ex: container, silo ou câmara de lona), visando a desinfestação de materiais, objetos, equipamentos e instalações que não possam ser submetidas a outras formas de controle químico.
Este método de controle de pragas tem sido o mais usado em unidades armazenadoras de grãos e outros produtos agrícolas e até mesmo no recebimento de matérias-primas por indústrias de alimentos. O gás destes fumigantes voláteis tem como vantagem o fato de poderem atingir pontos na massa de grãos que possivelmente inseticidas de outra natureza não o fariam.
Resistência do consumidor a produtos infestados
Os alimentos industrializados podem, algumas vezes, ser rejeitados por clientes com base na presença de insetos vivos em uma carga de farinha de trigo, feijão, arroz ou em um pacote de macarrão ou bolacha, por exemplo. A rejeição é um meio pelo qual os consumidores reagem com a presença de produtos infestados. Se um consumidor compra um produto com insetos vivos, ele pode rejeitá-lo e adquirir produto concorrente, e muitas vezes, evitará comprar produtos da mesma marca ou fabricante. Em outros casos, o produto infestado pode ser descartado ou devolvido, sofrer penalizações de órgãos sanitários e de defesa do consumidor, além de, criar uma má reputação do fabricante pois corre o risco de seu produto ou marca ser exposto na mídia principalmente pela internet por meio das redes sociais e a imprensa.
Resistência de insetos
A resistência dos insetos é o maior problema relacionado ao desenvolvimento de novos inseticidas fumigantes. Os primeiros relatos científicos da resistência dos insetos aos inseticidas, foi relatado por Malender em 1914. Os insetos-praga podem apresentar resistência a mais de um inseticida. Quando o sistema imunológico do inseto confere resistência de dois ou mais inseticidas, é designada resistência cruzada. A resistência múltipla é observada quando dois ou mais mecanismos distintos coexistem no indivíduo e confere resistência a dois ou mais inseticidas diferentes.
Na natureza, alguns insetos já nascem resistentes a alguns inseticidas por possuírem uma genética privilegiada que os permitem serem mais resistentes do que outros indivíduos menos resistentes. Sendo assim, a resistência dos insetos está relacionada à sua genética melhorada que possibilita aos indivíduos resistentes suportarem determinadas doses de inseticidas que seriam suficientes para eliminar a maioria dos indivíduos de uma população normal da mesma espécie.
Normalmente, em uma situação de expurgo com fumigante químico em um determinado grão infestado com insetos, os indivíduos menos resistentes são controlados e os resistentes sobrevivem. Estes insetos, com o passar do tempo, procriam com outros indivíduos resistentes aumentando a população resistente. Sendo assim, em um controle químico tradicional, com o passar do tempo, aumenta a dificuldade de controle, pois a participação de insetos resistentes é maior.
Fumigação de grãos com uso de produtos químicos
Desde o ano de 2010, com a proibição do uso do gás Brometo de Metila em produtos agrícolas pelo Ministério da Agricultura no Brasil, o gás fosfina, tem sido, o fumigante mais utilizado para o controle dos insetos-praga em grãos armazenados. A fosfina é registrada para mais de 50 matérias-primas de alimentos processados nos Estados Unidos. É usada também no controle de pragas quarentenarias em estruturas de madeira.
No Brasil, até o ano de 2022 o gás fosfina é registrado para uso somente em 15 produtos sendo eles:
- amendoim,
- arroz,
- aveia,
- cacau,
- café,
- cevada,
- farelo de soja,
- farinha,
- feijão,
- fumo,
- milho,
- soja,
- sorgo,
- trigo,
- algodão.
Porém, sabe-se que no Brasil, grande parte das indústrias de alimentos e produtores rurais aplicam fosfina em diversos alimentos em que a fosfina não foi registrada. O infrator está sujeito a penalizações e multas severas previstas na legislação brasileira. Mas, a facilidade de compra e a falta de controle e fiscalização do Ministério da Agricultura sobre as revendas fazem com que este tipo de conduta continue existindo em nosso país.
A condição para o tratamento de fumigação de grãos com o gás fosfina deve ser muito bem observada de forma a garantir que sejam respeitadas as dosagens recomendadas na bula de cada fabricante. As câmaras de tratamento devem estar bem vedadas para evitar vazamentos de gás e manter a concentração do produto uniforme em toda a massa de grãos durante a fumigação. Os vazamentos, aplicação de dosagens fora da faixa recomendada contribuem para a ocorrência de uma aplicação insuficiente que estimula o desenvolvimento de tolerância e resistência em insetos-praga de grãos.
Insetos de grãos armazenados
A extensão dos danos e das perdas na pós-colheita causados por insetos, nos grãos e seus derivados e produtos processados é muito difícil de quantificar. A perda pode ser considerada de diversas formas: perda de peso, déficit nutricional, contaminação por micotoxinas e microrganismos, viabilidade dos grãos, qualidade e outros. Duas ordens de insetos possuem maior importância econômica e social: Coleoptera (pequenos carunchos ou gorgulhos) e Lepidoptera (mariposas ou traças). A Figura 12.1 apresenta as principais pragas grãos armazenados.
As pragas de grãos armazenados estão adaptadas a uma dieta à base de material vegetal seco. Muitas delas possuem estruturas características que lhes permitem viver em condições de baixa disponibilidade de água.
Quanto aos seus hábitos alimentares, os insetos de produtos vegetais armazenados podem ser classificados em:
Insetos primários:
São aqueles capazes de romper o grão inteiro e sadio e são divididos em três grupos:
Primários internos: são os insetos dotados de mandíbulas desenvolvidas, com as quais rompem os grãos e se alimentam do seu conteúdo interno (Figura 1). Completam seu ciclo evolutivo no interior do grão e, além de causarem danos específicos, abrem caminho para o ataque de outros insetos. Como exemplo de insetos primários citam-se os gorgulhos dos grãos – Sitophilus zeamais; o caruncho-do-feijão – Zabrotes subfasciatus (Boheman) e Acanthoscelides obtectus (Say); e as traças-dos-cereais – Sitotroga cerealella (Olivier) etc.
Primários externos: são insetos que se alimentam do grão externamente, podendo, entretanto, atacar a parte interna. Favorecem o ataque de outras pragas que são incapazes de romper a película protetora dos grãos. A Plodia interpunctella (Hübner), o menor broqueador dos grãos, Rhyzopertha dominica, os besourinhos Lasioderma serricorne (Fabricius) e Tenebroides mauritanicus (Linnaeus) são exemplos de insetos primários externos.
Insetos secundários: são aqueles que não conseguem romper os grãos inteiros e se alimentam de grãos previamente danificados pelos insetos primários, acidentalmente quebrados ou trincados. Como exemplo, têm-se os besourinhos Tribolium castaneum (Herbst), T. confusum (Jaqueline Du Val), Oryzaephilus surinamensis (Linnaeus), Cryptolestes ferrugineus (Stephens) e outros. Além dos grãos, os insetos secundários infestam, principalmente, seus subprodutos, como farinhas, farelos, fubás e rações.
Insetos associados
São frequentemente encontrados nos grãos, porém sem atacá-los. Alimentam-se de detritos e fungos e contribuem para prejudicar o aspecto e a qualidade do produto armazenado. Além do besouro Tenebrio molitor (Linnaeus), podem se incluir neste grupo os parasitas, predadores e ácaros, tanto os que produzem danos nos grãos como os predadores.
Os insetos de grãos e produtos armazenados apresentam algumas características próprias:
- Elevado potencial biótico: o grande número de indivíduos obtido em cada reprodução e o elevado número de gerações em curto período permitem que poucos indivíduos formem uma população considerável.
- Infestação cruzada: é a capacidade de infestar o produto nos depósitos e no campo. Muitas vezes, os grãos colhidos no campo já vêm infestados para o armazém. Como exemplos, têm-se a traça-dos-cereais – cerealella e o gorgulho – S. zeamais, que infestam o milho no campo e no armazém; os gorgulhos – S. oryzae e S. zeamais, que infestam os cachos de arroz no campo; e o caruncho-do-feijão – A. obtectus, que infesta as vagens do feijão antes da colheita.
- Polifagia: é a capacidade que a maioria das pragas dos grãos armazenados têm para atacar diversos produtos. zeamais ocorre em milho, mas desenvolve-se muito bem em sorgo; R. dominica, que é praga importante de praticamente todos os cereais, ataca e se reproduz muito bem em sementes de feijão; e Z. subfasciatus, além do feijão, seu hospedeiro preferido, ataca a ervilha, a soja e o grão-de-bico.
Os gorgulhos são pequenos e apresentam o primeiro par de asas muito resistente (élitros), que permite sua movimentação e sobrevivência em grandes profundidades da massa de grãos, onde os espaços são reduzidos e a massa de grãos está muito compactada.
As traças, em razão de suas asas membranosas, são bem menos resistentes que os élitros, o que as tornam mais frágeis, restringem-se à superfície da massa de grãos, causando menos prejuízos que os gorgulhos.
Contaminação em grãos, folhagens e dos seus subprodutos
A infestação de insetos que contaminam os grãos e outros produtos armazenados se dá em virtude da presença, em suas fases de desenvolvimento de insetos (Ex: ovo, larva, pupa, ninfa e adulto) e seus produtos metabólicos.
Na classificação do produto, a designação: “infestado” é determinada com base no número de insetos vivos na porção da amostra usada para classificação. Os critérios para grãos usados na alimentação humana são mais restritos que aqueles usados na alimentação animal. Apesar de ovos, larvas e pupas poderem estar presentes no interior do grão e não serem observados na amostra, eles ainda constituem contaminação.
Os processadores de grãos estão preocupados com a infestação de insetos, porque ela provavelmente será a fonte de contaminação do produto processado. Os ovos, larvas, pupas e adultos (vivos ou mortos) são impossíveis de serem removidos completamente antes do processamento, o que resulta em fragmentos como contaminantes no produto processado.
Para a farinha de trigo, o Food and Drug Administration – FDA dos EUA tinha estabelecido um nível de 75 fragmentos por 50 g como nível de contaminação aceitável. Entretanto, alguns compradores de farinha de trigo têm estabelecido níveis de rejeição bastante rigorosos, muito abaixo deste valor.
Contaminantes como insetos ou ovos, vivos, mortos e fragmentos de insetos podem ser determinados por métodos simples de observação. Já os resíduos metabólicos na forma de excremento/fezes não são fáceis de serem detectados nem quantificados. Contudo, a presença da quantidade de ácido úrico no produto agrícola pode dar uma indicação do nível de contaminação.
Carunchos e larvas de mariposas/traças depositam a maior parte de seus excrementos no interior do grão, enquanto as larvas de Rhyzopertha empurram a maior parte do excremento que elas produzem para fora.
As larvas da traça da farinha de trigo e outras traças que infestam grãos deixam um fio sedoso (lembra uma teia de aranha), sobre a superfície dos grãos, nos produtos processados e nos equipamentos. A quantidade deste emaranhado de fio é um bom indicador para saber o nível de infestação e espécie do inseto.
Fumigação com ozônio gasoso
A técnica de fumigação de grãos com ozônio, necessita necessariamente, ser aplicada em um local hermético, podendo utilizar diferentes estratégias: câmaras de lona, silo bolsa, contêineres e silos, além de, autoclaves, transportadores helicoidais, misturadores em V, Y e ribbon blenders. A escolha do melhor equipamento definirá a eficiência e sucesso da aplicação.
Como o ozônio não é seletivo, uma fumigação para controle de insetos certamente trará bons resultados não só de controlar insetos, mas também, reduzir contaminação de microrganismos, detoxificar micotoxinas e até contribuir para remover agrotóxicos em produtos agrícolas.
Grãos de cereais, oleaginosas e leguminosas são a principal fonte de alimento para os seres humanos e animais domesticados. Durante o armazenamento, os grãos estão sujeitos a infestação por insetos. Insetos-praga são responsáveis por perdas quantitativas e qualitativas no decorrer do armazenamento de grãos e seus subprodutos. Os insetos não apenas consomem os grãos, mas também os contamina com produtos do seu próprio metabolismo. A produção de calor e aumento da umidade dos grãos armazenados proveniente da atividade metabólica dos insetos cria um ambiente favorável para o desenvolvimento de fungos e a formação de pontos de aquecimento na massa de grãos.
As principais variáveis que interferem na fumigação com ozônio de produtos agrícolas são:
- Modo de aplicação,
- Dosagem (concentração de gás),
- Tempo de exposição,
- Tipo de embalagem,
- Espaço intergranular,
- Porosidade do grão,
- Estrutura de aplicação (câmara de tratamento),
- Hermeticidade da câmara de tratamento,
- Características do alimento,
- Nível de infestação e
- Contaminação inicial.
A regulamentação do ozônio para contato direto em produtos orgânicos através do Anexo IV da Instrução Normativa n°18, publicada em 2009 pelo Ministério da Agricultura, viabilizou para que o ozônio gasoso (O3) passasse a ser um fumigante alternativo viável aprovado para a redução de carga de microrganismos em alimentos e controle de insetos-praga de grãos armazenados. Em 2001, o ozônio foi classificado pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, como sanitizante seguro para utilização em alimentos, já que o seu produto de degradação, o oxigênio, não é tóxico.
Entretanto a recomendação para o uso do ozônio em larga escala deve estar pautada em primeiro lugar na segurança dos operadores envolvidos. Por isso se faz necessário à observação de normas e limites de exposição estabelecidos pelos institutos de pesquisa. Em instalações de armazenamento e processamento de alimentos o limite máximo permitido de exposição para o ser humano é de 0,075 ppm por 8 horas (U.S.EPA, 2015). No Brasil a Norma Regulamentadora Nº 15 do Ministério do Trabalho que trata das atividades e operações insalubres estabelece um limite máximo de exposição 0,08 ppm de ozônio para jornadas de trabalho de 48 horas semanais (BRASIL, 1978).
O ozônio gasoso é um poderoso agente oxidante possui grande capacidade de desinfecção e esterilização e o risco em alguns alimentos, de alteração sensorial deve ser sempre considerado e testado antes de qualquer aplicação em escala industrial. Dosagens menores em períodos de exposição maior evitam que a grande maioria dos produtos sofram com alterações sensoriais. O sucesso nos resultados da fumigação com ozônio dependerá sempre de como a empresa desenvolve, implanta e administra a tecnologia em seu processo produtivo.
Existem diversos fatores que contribuem para o sucesso da fumigação cria condições que facilitem com que o gás percole, ou seja, o ozônio precisa se movimentar pelo espaço intergranular e atingir todos os pontos da massa do produto tratado, com dosagem e tempo de exposição suficientes para que os objetivos desejados do tratamento sejam alcançados.
Produtos em embalagens com grande “barreira física”, como por exemplo: caixas de papelão ou sacos de polipropileno envolvidos com camadas de papel kraft são mais difíceis de tratar que produtos embalados com sacos de ráfia ou juta.
Granulometrias maiores, permitem que o gás penetre mais facilmente em toda massa dos produtos tratados (ex: grãos, folhagens, castanhas etc.). A porosidade do alimento também deve ser sempre considerada. Grãos muito porosos consomem uma quantidade de gás fumigante maior do que produtos menos porosos.
Outro ponto importante é que alguns produtos possuem estruturas que reagem mais com o ozônio e outros menos, isto porque alguns alimentos consomem rapidamente o ozônio, fazendo com que a injeção de gás tenha que ser maior do que outros produtos que reagem menos com o ozônio, sobrando mais gás para o tratamento de microrganismos, insetos, agrotóxicos e micotoxinas.
Papel kraft é um material formado a partir de fibras de celulose (longas ou curtas) de polpas de madeiras macias, muito utilizadas na embalagem de alimentos.
A fumigação de grãos é uma prática essencial para o controle de pragas em produtos agrícolas armazenados, mas o uso indiscriminado de fumigantes químicos, como a fosfina, tem gerado desafios, incluindo a resistência de insetos e preocupações com a segurança alimentar e ambiental.
A fumigação de grãos com ozônio gasoso se apresenta, cada vez mais, como uma alternativa promissora, oferecendo benefícios como a redução de insetos-praga, microrganismos e micotoxinas, além de ser uma opção mais segura e sustentável, com o oxigênio como subproduto não tóxico. Contudo, sua eficácia depende de fatores como dosagem, tempo de exposição, hermeticidade do sistema e características dos produtos tratados. Para garantir o sucesso dessa tecnologia, é crucial que as empresas invistam em planejamento, capacitação e adesão às normas de segurança, promovendo uma transição para métodos de controle mais eficientes e ambientalmente responsáveis. Assim, o ozônio pode não apenas substituir a fosfina em diversas aplicações, mas também elevar a qualidade e a segurança dos grãos armazenados, atendendo às exigências de consumidores e regulamentações.