O ozônio na castanha-do-Brasil contribui para que, um dos símbolos do extrativismo do Brasil, atenda a pressão crescente por produtos seguros, livres de contaminantes químicos e biológicos, sobretudo no segmento de exportação, onde os padrões sanitários internacionais se mostram cada vez mais rigorosos.

A presença de micotoxinas, em especial as aflatoxinas produzidas por fungos do gênero Aspergillus, tem historicamente representado um obstáculo significativo à plena inserção deste produto nos mercados globais, gerando prejuízos econômicos e compromissos com a saúde pública.

Neste contexto, desponta como solução inovadora e disruptiva a aplicação do ozônio (O₃) na etapa de lavagem do produto, tecnologia investigada e validada em nível experimental pelo pesquisador Otniel Freitas-Silva, da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Os estudos, desenvolvidos no âmbito de sua tese de doutorado junto à Universidade do Minho, em Portugal, apontam para a viabilidade técnica e econômica do uso do ozônio como agente descontaminante, alinhado aos princípios de sustentabilidade e segurança exigidos pelo mercado internacional, notadamente o europeu.

Micotoxinas: Risco à Saúde Pública e Barreiras Comerciais

As aflatoxinas, compostos tóxicos e cancerígenos produzidos predominantemente por Aspergillus flavus e Aspergillus parasiticus, possuem elevada toxicidade hepática e efeito cumulativo no organismo humano e animal. As implicações sanitárias são severas: além de serem classificadas como carcinógenos do grupo 1 pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), as aflatoxinas podem causar efeitos mutagênicos, imunossupressores e teratogênicos.

No mercado europeu, onde os limites máximos toleráveis para aflatoxinas em nozes, amêndoas e produtos derivados são extremamente restritos — frequentemente abaixo de 4 ppb (partes por bilhão) para aflatoxina B1 e 10 ppb para aflatoxinas totais — a detecção de níveis acima do permitido acarreta a rejeição de lotes inteiros. O histórico recente registra episódios de embargo e retenção de carregamentos brasileiros de castanha-do-brasil, com graves impactos financeiros para cooperativas extrativistas e exportadores.

O Ozônio na Indústria de Alimentos

O ozônio consolidou-se como ferramenta tecnológica estratégica no setor alimentício, devido ao seu elevado poder oxidante, que o torna eficaz na eliminação de microrganismos patogênicos, na degradação de micotoxinas superficiais e na inativação de compostos orgânicos indesejáveis.

Sua aplicação ocorre tanto na forma gasosa quanto líquida:

  • Ozônio gasoso: Utilizado em ambientes de armazenamento (câmaras frigoríficas, silos, depósitos), inibe o crescimento microbiano, prolonga a vida útil dos alimentos e reduz odores indesejáveis.
  • Ozônio aquoso: Empregado em processos de lavagem e sanitização de frutas, vegetais, cereais e frutos secos, proporciona ação antimicrobiana sem deixar resíduos químicos nos produtos.

A principal vantagem do ozônio reside em seu caráter instável: após a ação oxidante, o O₃ se decompõe rapidamente em oxigênio (O₂), não gerando resíduos tóxicos. Essa característica viabiliza sua utilização em alimentos certificados como orgânicos e é reconhecida pela FDA (Food and Drug Administration), dos Estados Unidos, como GRAS (Generally Recognized As Safe).

Pesquisa de Otniel Freitas-Silva: Inovação na Castanha-do-Brasil

Visando a viabilidade prática para cooperativas de castanha-do-brasil, o Pesquisador Otniel Freitas-Silva testou diferentes concentrações e tempos de exposição ao ozônio aquoso. O protocolo mais eficaz estabeleceu-se em:

  • Concentração de ozônio: 10 mg/L em solução aquosa;
  • Tempo de exposição: 2 minutos e 30 segundos.

Os ensaios demonstraram resultados promissores:

  • Redução significativa de carga fúngica na superfície das castanhas, com eliminação de Aspergillus flavus e outros agentes produtores de micotoxinas;
  • Redução nos níveis de aflatoxinas e ácido ciclopiazônico, outro metabólito tóxico potencialmente presente em frutos secos;
  • Preservação das características sensoriais (sabor, cor e aroma) do produto, aspecto crítico para a aceitação comercial.

Esses resultados não apenas corroboram a eficácia do método, mas também asseguram conformidade com as exigências dos mercados internacionais, mitigando riscos sanitários e financeiros.

Aplicação Industrial: Simplicidade e Baixo Investimento

Um dos aspectos mais relevantes da pesquisa é a viabilidade econômica e operacional do sistema. Conforme explica Freitas-Silva, “as cooperativas de castanha-do-brasil não precisam de investimentos expressivos para adotar a lavagem com ozônio”. O processo pode ser implementado diretamente nas usinas existentes, exigindo apenas:

  • Espaço físico adequado para instalação de tanques e do gerador de ozônio;
  • Disponibilidade de energia elétrica para operação do equipamento;
  • Sistema de secagem eficiente, para evitar reumidificação e possível recontaminação do produto.

Este aspecto é determinante, sobretudo considerando que a produção de castanha-do-brasil está concentrada em comunidades extrativistas da Amazônia, muitas delas com restrições de capital para investimentos em tecnologia.

Conformidade Regulatória e Perspectivas de Mercado

O uso do ozônio para fins de sanitização em alimentos encontra respaldo legal em diversas jurisdições. Nos Estados Unidos, o FDA aprovou o uso do ozônio em alimentos desde 2001. Na União Europeia, embora existam requisitos técnicos para validação de processos, o ozônio é amplamente aceito, sobretudo em produtos orgânicos, por não deixar resíduos químicos.

A adoção da tecnologia fortalece os seguintes pilares estratégicos para o segmento:

  • Atendimento a padrões internacionais de qualidade e segurança alimentar;
  • Ampliação da competitividade da cadeia produtiva da castanha-do-brasil, mitigando riscos de barreiras não-tarifárias;
  • Promoção da sustentabilidade, alinhada ao conceito de bioeconomia, pela redução do uso de insumos químicos sintéticos.

Além disso, a possibilidade de eliminação ou redução substancial de micotoxinas posiciona o Brasil de maneira diferenciada no mercado global de frutos secos, segmento altamente sensível à segurança alimentar.

Ozônio na castanha-do-Brasil

A ozonização da castanha-do-brasil representa um marco tecnológico com impacto direto na qualidade sanitária, na sustentabilidade da cadeia produtiva e na inserção do produto nos mercados mais exigentes do mundo. Trata-se de uma solução que combina inovação científica, viabilidade econômica e compromisso com a saúde pública.

O trabalho conduzido por Otniel Freitas-Silva não apenas amplia as fronteiras tecnológicas do processamento de alimentos no Brasil, como também oferece uma rota concreta para superação de um dos maiores gargalos comerciais da castanha-do-brasil. Trata-se de um avanço que, ao ser incorporado em escala industrial, poderá redefinir os padrões de qualidade e segurança deste importante produto da bioeconomia amazônica.

Para empresas e cooperativas do setor, a hora de avaliar e investir nessa tecnologia é agora. Afinal, inovação e sustentabilidade não são apenas diferenciais competitivos — são condições sine qua non para a permanência no mercado global de alimentos.