A busca pela qualidade e a segurança do pescado tem levado a indústria brasileira a olhar com crescente interesse para uma tecnologia já consolidada em diversos países: o uso do ozônio. Este gás, de alto poder oxidante e antimicrobiano, apresenta-se como uma alternativa eficaz e sustentável aos métodos tradicionais de conservação, prometendo uma verdadeira revolução na cadeia produtiva do pescado no Brasil.

Este estudo completo, com foco nas soluções de implantação viáveis para a realidade nacional, explora os fundamentos, benefícios, desafios e o passo a passo para a adoção do ozônio na indústria pesqueira brasileira.

Ozônio: um aliado para a qualidade  e segurança do pescado

O ozônio (O3​) é uma molécula triatômica de oxigênio, conhecida por seu alto potencial de oxidação, o que lhe confere notáveis propriedades desinfetantes e desodorizantes. Na indústria do pescado, sua ação se dá principalmente de duas formas:

  • Ação Antimicrobiana: O ozônio ataca diretamente a parede celular de microrganismos como bactérias, fungos e leveduras, causando sua destruição. Essa ação é mais rápida e abrangente que a do cloro, um sanitizante tradicionalmente utilizado, e tem a vantagem de não gerar subprodutos tóxicos, como as cloraminas. Estudos brasileiros, como os desenvolvidos com tilápia do Nilo, demonstram que a aplicação de água ozonizada (com concentrações de 1,5 ppm) pode reduzir em mais de 90% a contaminação microbiana superficial do peixe.
  • Neutralização de Odores: O ozônio oxida os compostos voláteis responsáveis pelo odor característico de pescado, melhorando a qualidade sensorial do produto final e do ambiente de processamento.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) considera o ozônio seguro para uso em alimentos, dispensando a necessidade de um registro específico para equipamentos geradores de ozônio para esta finalidade, o que facilita sua adoção pela indústria. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) também prevê o uso de tecnologias que visem a segurança e qualidade dos produtos de origem animal, e o ozônio se enquadra perfeitamente nessas diretrizes. Internacionalmente, o ozônio é classificado como “Generally Recognized As Safe” (GRAS) pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos.

Métodos de aplicação: soluções viáveis para o Brasil

A versatilidade do ozônio permite sua aplicação em diversas etapas do processamento do pescado. As principais formas, e suas possibilidades de implantação no Brasil, são:

  1. Água Ozonizada:

Esta é a forma de aplicação mais comum e estudada. A água, enriquecida com ozônio, pode ser utilizada para:

  • Lavagem e Enxágue de Pescado Inteiro e Filés: Substituindo ou complementando o uso de água clorada, a água ozonizada reduz a carga microbiana na superfície do pescado desde a recepção da matéria-prima.
  • Higienização de Superfícies, Equipamentos e Utensílios: Garante um ambiente de processamento com alto nível de sanitização, prevenindo a contaminação cruzada.
  • Tratamento de Efluentes: O ozônio pode ser empregado no tratamento da água de descarte da indústria, reduzindo a carga orgânica e a contaminação antes de seu retorno ao meio ambiente.

Implementação no Brasil: A tecnologia para geração de ozônio e sua incorporação na água é dominada por empresas nacionais. Existem no mercado brasileiro geradores de ozônio de diversos portes, adequados tanto para pequenas processadoras artesanais quanto para grandes indústrias. O investimento inicial em um sistema de ozonização de água pode variar dependendo da capacidade de produção, mas o retorno sobre o investimento é percebido na redução do uso de produtos químicos, na economia de água (pela possibilidade de recirculação em alguns processos) e na valorização do produto final.

  1. Gelo Ozonizado:

A produção de gelo com água ozonizada é uma estratégia extremamente eficaz para a conservação do pescado, desde a bordo das embarcações até o ponto de venda.

  • Conservação a Bordo e no Transporte: O gelo ozonizado, ao derreter, libera gradualmente ozônio, que mantém a superfície do pescado continuamente desinfetada, retardando a deterioração.
  • Exposição em Balcões de Venda: A utilização de gelo ozonizado em peixarias e supermercados aumenta a vida de prateleira do pescado fresco, mantendo suas características de frescor por mais tempo.

Implementação no Brasil: Pesquisas realizadas no Brasil, como a que avaliou a conservação do tambaqui no Amazonas com gelo ozonizado, comprovaram a eficácia do método, estendendo a vida útil do pescado em vários dias. A adaptação das máquinas de gelo existentes para a utilização de água previamente ozonizada é um processo tecnicamente viável. O custo adicional na produção do gelo é compensado pela drástica redução de perdas por deterioração.

  1. Ozônio Gasoso:

A aplicação do ozônio na forma gasosa é ideal para a desinfecção de ambientes.

  • Câmaras Frias e de Estocagem: A injeção controlada de gás ozônio em câmaras de refrigeração e congelamento elimina microrganismos do ar e das superfícies, além de neutralizar odores, evitando a impregnação em outros produtos.
  • Desinfecção de Ambientes de Processamento: Após a higienização úmida, a ozonização gasosa do ambiente (em períodos sem a presença de trabalhadores) pode ser utilizada como uma etapa final de desinfecção.

Implementação no Brasil: Geradores de ozônio para ambientes também estão disponíveis no mercado nacional. A implementação de sistemas de ozonização gasosa requer um projeto cuidadoso para garantir a correta distribuição do gás e, fundamentalmente, sistemas de segurança que impeçam a exposição dos trabalhadores a concentrações elevadas de ozônio, que é tóxico quando inalado. A Norma Regulamentadora 15 (NR-15) estabelece os limites de tolerância para a exposição ao ozônio em ambientes de trabalho.

Estudo de caso: ozonização na tilapicultura brasileira

A tilápia é um dos peixes mais produzidos no Brasil, e estudos de caso demonstram o potencial do ozônio em sua cadeia produtiva. Em um cenário hipotético, mas baseado em dados de pesquisas nacionais, uma processadora de tilápia de porte médio poderia implementar a ozonização da seguinte forma:

 

Etapa do ProcessoAplicação do OzônioBenefícios Esperados
Recepção e Primeira LavagemLavagem com água ozonizada (1.0 – 1.5 ppm)Redução da carga microbiana inicial em até 80%.
Filetagem e ToaleteEnxágue dos filés com água ozonizada (0.5 – 1.0 ppm)Minimização da contaminação cruzada.
Higienização da LinhaPulverização de superfícies com água ozonizadaAmbiente de processamento mais seguro.
ConservaçãoUso de gelo ozonizado no armazenamento e transporteAumento da vida de prateleira em 3 a 5 dias.
Final do TurnoOzonização gasosa da sala de processamentoDesinfecção terminal do ambiente.

 

Análise de Custo-Benefício (Estimativa):

  • Investimento Inicial: Aquisição de um gerador de ozônio industrial, sistema de injeção e difusão na água, e sensores de monitoramento. Os custos podem variar de R$ 20.000 a mais de R$ 100.000, dependendo da escala.
  • Custos Operacionais: Principalmente o consumo de energia elétrica do gerador. A manutenção é relativamente baixa.
  • Retorno Econômico:
    • Redução de Perdas: A extensão da vida de prateleira diminui as perdas por descarte de produto.
    • Agregação de Valor: Um produto com maior durabilidade e segurança pode alcançar melhores preços e mercados mais exigentes.
    • Economia de Químicos: Redução ou eliminação do uso de cloro e outros sanitizantes.
    • Marketing e Confiança do Consumidor: O uso de uma tecnologia limpa e segura pode ser um forte apelo de marketing.

Desafios e oportunidades para a implantação no Brasil

Apesar dos benefícios, a implementação do ozônio na indústria pesqueira brasileira enfrenta alguns desafios:

  • Investimento Inicial: O custo dos equipamentos pode ser uma barreira para pequenos produtores. Linhas de crédito e programas de incentivo à modernização e sustentabilidade poderiam acelerar a adoção.
  • Conhecimento Técnico: É fundamental a capacitação da mão de obra para operar e monitorar os sistemas de ozonização de forma segura e eficaz.
  • Oxidação Lipídica: Em peixes com alto teor de gordura, altas concentrações de ozônio podem levar à oxidação lipídica, causando rancidez. É crucial a realização de estudos específicos para determinar os parâmetros ideais (concentração e tempo de exposição) para cada espécie de pescado brasileiro.

As oportunidades, no entanto, são vastas:

  • Acesso a Novos Mercados: Países com legislações sanitárias rigorosas valorizam produtos processados com tecnologias que garantem alta segurança alimentar.
  • Sustentabilidade: A redução do uso de químicos e a possibilidade de tratamento de efluentes posicionam o ozônio como uma tecnologia ambientalmente amigável.
  • Aumento da Competitividade: A indústria que adotar o ozônio pode se diferenciar no mercado interno e externo, oferecendo um produto de maior qualidade e valor agregado.

Um Futuro Promissor e Seguro

O uso do ozônio na indústria do pescado no Brasil não é mais uma visão distante, mas uma realidade tecnológica acessível e com um claro caminho para a viabilização econômica. A combinação de sua eficácia antimicrobiana, a ausência de resíduos tóxicos e a aprovação pelos órgãos reguladores nacionais e internacionais faz do ozônio uma ferramenta estratégica para o setor.

Para que seu potencial seja plenamente explorado, é essencial a colaboração entre instituições de pesquisa, como a Embrapa e universidades, a indústria de equipamentos e o setor produtivo. O desenvolvimento de protocolos específicos para as principais espécies de pescado cultivadas e capturadas no Brasil, aliado à disseminação de informação e à capacitação técnica, pavimentará o caminho para um pescado brasileiro mais seguro, de maior qualidade e mais competitivo nos mercados globalizados. A era do pescado ozonizado no Brasil está apenas começando, e promete trazer mais saúde para o consumidor e mais prosperidade para toda a cadeia produtiva.