Água Mineral tratada com ozônio: pode ou não pode?

Água Mineral tratada com ozônio: pode ou não pode?

13/08/2025
Água-Mineral-tratada-com-ozônio-pode-ou-não-pode

A água mineral tratada com ozônio é uma questão, ao mesmo tempo, técnica e regulatória. Embora o ozônio seja amplamente reconhecido como um dos desinfetantes mais eficazes e seguros para consumo humano, sua aplicação direta na água mineral engarrafada encontra divergências entre diferentes órgãos reguladores e países.

Se o ozônio é aprovado há décadas pela Anvisa para tratamento e potabilidade de água para consumo humano no Brasil, por que ainda existe muita discussão sobre a possibilidade de uso do Ozônio pelas empresas de água mineral?

O uso do ozônio no tratamento e potabilidade de água para consumo humano já é reconhecido pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) há décadas. A tecnologia está regulamentada pela Portaria 888 de 05 de maio de 2021, que trata do controle e vigilância da água para consumo humano, que é o padrão de referência para tratabilidade e uso da água potável no Brasil. Assim, a ANVISA já determina que a água pode ser ozonizada, pode ser usada e consumida de forma benéfica à saúde humana.

Então, se a ANVISA aprova o uso do ozônio no tratamento de água, por que existem ainda muita discussão no setor sobre a água mineral tratada com ozônio? Por que o setor tem dificuldades em utilizar a tecnologia de ozônio para desinfecção de água mineral?

A água mineral é regulamentada pela Portaria nº 374 1 10_2009_Normas Técnicas para água mineral e possui como órgão regulador o DNPN (Departamento Nacional de Produção Mineral) subordinado ao Ministério de Minas e Energia. Diferente da água mineralizada e água potável que é regulamentada pela ANVISA subordinada pelo Ministério da Saúde.

A grande polêmica está no Artigo 4.18.5, que estabelece que:

As empresas concessionárias ao utilizarem a água mineral como ingrediente no preparo de bebidas em geral não poderão efetuar a desmineralização da água por filtração, precipitação ou por outro processo que descaracterize o produto mineral, ou qualquer tratamento como cloração, diluição ou adição química que venha caracterizar interferência com alteração das características químicas, físico-químicas e microbiológicas, que se configure como tratamento prévio.

O uso do ozônio no tratamento de água mineral é uma prática amplamente utilizada por diversas empresas no mundo, inclusive no Brasil, com finalidades de remoção de microrganismos e desinfecção de embalagens, equipamentos e superfícies (como pisos e paredes) nos ambientes de produção.

Países desenvolvidos como Canadá, Estados Unidos e Europa já aprovaram e regulamentaram a água mineral tratada com ozônio.

Regulamentação no Canadá

Os atuais regulamentos do Ministério da Saúde do Canadá para água engarrafada exigem que os produtores que adicionam ozônio à água mineral ou água de nascente devem incluir uma declaração para esse efeito no painel principal do rótulo do produto.

Estudos do setor indicam que, no Canadá, geradores de ozônio são permitidos apenas para oxidação de matéria orgânica e minerais, não para desinfecção ou eliminação microbiana direta na água engarrafada, conforme requisitos técnicos locais.

Isso sugere que a aplicação de ozônio em água mineral embalada deve ser restrita às fases de oxidação pré- ou pós-desinfecção, sem promover efeito germicida intencional.

Além disso, as regras Canadenses que regem os aditivos alimentares exigem que o ozônio adicionado seja listado no rótulo da embalagem como ingrediente.

Regulamentação na Europa

O Conselho de Ministros Europeus adotou uma proposta que permite o tratamento de águas minerais naturais com ozônio, desde que as informações relativas ao tratamento sejam identificadas no rótulo da embalagem final.

Assim, sob os regulamentos atuais europeus, o ozônio, quando adicionado à água de nascente ou à água mineral durante o seu processo de mineração, armazenagem e envase, deve ser listado na etiqueta do produto duas vezes:

  • na lista de produtos de ingredientes e
  • em uma declaração separada no painel de exposição principal.

Uma das maiores discussões durante o processo que permitiu o uso do ozônio pelas empresas de água mineral foi estava na possibilidade do ozônio alterar alguma característica química da água reagindo diretamente com alguns elementos instáveis como: ferro, manganês e enxofre que estão entre os elementos que podem alterar sabor da água. Utilizar o ozônio para baixar estes elementos na água passa a ser benéfico e não prejudicial para a água mineral.

Regulamentação nos Estados Unidos

A água mineral engarrafada é regulada nos EUA pela Food and Drug Administration (FDA), sob o Federal Food, Drug, and Cosmetic Act. A FDA define padrões de identidade, qualidade e Boas Práticas de Fabricação (BPF) especificamente para águas engarrafadas, incluindo água mineral. O ozônio foi formalmente reconhecido pelo FDA como “Generally Recognized as Safe” (GRAS) para uso na água engarrafada desde 1982, após petição da International Bottled Water Association, que estabeleceu condições específicas de uso do ozônio na aplicação em água mineral.

A FDA reconhece o uso do ozônio em linhas de produção de água engarrafada como parte das Boas Práticas de Fabricação (BPF), recomendando uma dosagem mínima de 0,1 mg/L, com efetividade operacional até 0,4 mg/L de ozônio dissolvido de acordo com cada padrão de água.

A Environmental Protection Agency -EPA (Agência de Proteção Ambiental) considera o gerador de ozônio como dispositivo biocida isento de relatórios ou registros — não há requisitos adicionais de registro sob EPA para este uso.

O FDA, em acordo com padrões da EPA, definiu o limite máximo de 10 µg/L (ou 0,010 mg/L) para bromato na água engarrafada.

Formação de Bromato

A formação de subprodutos durante a desinfecção ocorre com o uso de todos os desinfetantes e oxidantes. Em fontes de água que contêm altos níveis de brometo de ocorrência natural, o subproduto de desinfecção de maior preocupação ao usar ozônio é a possibilidade de formação de bromato (BrO₃⁻).

A formação e o controle do bromato têm sido o foco de intensas pesquisas desde o início dos anos 1990, quando o bromato foi implicado como um potencial carcinógeno. Testes de toxicidade em animais mostraram consistentemente que o bromato induz câncer em ratos, camundongos e hamsters por meio de danos ao material genético. Embora não haja dados demonstrando que o bromato seja carcinogênico para os humanos, é plausível supor que os mecanismos que resultam na formação de tumores em animais de laboratório poderiam ocorrer em humanos.

Considerando as evidências apoiam a visão de que o bromato é carcinógeno em humanos e, portanto, é estritamente controlado na água potável.

Por essa razão, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu uma concentração provisória guia de 10 µg L⁻¹ (0,01 mg L⁻¹) de bromato na água potável. A legislação da União Europeia especifica que todos os Estados-Membros devem impor uma concentração máxima de bromato de 10 µg L⁻¹ até 2008. No Reino Unido, a legislação que aplica esse padrão entrou em vigor em 2003. Nos Estados Unidos (Agência de Proteção Ambiental dos EUA), as regulamentações também especificam um valor máximo de 10 µg L⁻¹.

Uma série de ferramentas de modelagem de bromato foram desenvolvidas para prever a formação de bromato, a fim de fornecer uma melhor compreensão de quando os regulamentos de bromato podem ser excedidos em águas potáveis. No entanto, a formação de bromato durante a desinfecção e oxidação geralmente está associada apenas ao uso de ozônio, pois tem capacidade oxidante superior em relação a outros desinfetantes comumente usados.

Na presença de ozônio, a conversão de brometo em bromato ocorre por meio de duas vias complexas:

  1. Oxidação direta do brometo do ozônio molecular (O3) ao hipobromito (BrO), que é posteriormente oxidado a bromato.
  1. A partir da formação do radical hidroxila (OH) que converte o íon brometo no radical brometo (Br •), que é então convertido em BrO3 por meio de outras reações com OH ou ozônio molecular.

Existem algumas formas de prevenir a formação de bromatos com o uso de ozônio em água que contêm Bromo, são elas:

  1. Concentração de brometo na água: quanto menor a concentração de brometo na água, menor a formação de bromato. As fontes de água subterrânea podem ter concentrações de brometo particularmente altas devido à entrada de água salgada, escoamento superficial e também como resultado da dissolução de rochas sedimentares Magazinovic et al., (2004); Butler et al. (2005) Amy et al. (1994) sugeriram que até 30 ug / L de bromato podem se formar a partir de uma concentração média de brometo de 100 ug/L. Uma conclusão geral de von Gunten (2003b) foi que águas contendo <20 ug/L de brometo não representam um problema para os subprodutos de desinfecção derivados de bromo, enquanto águas contendo > 100 ug/L de brometo são susceptíveis de causar problemas significativos de bromato.
  2. Controle do pH: neutro ou ácidos são a melhor opção. O controle do pH durante a ozonização é considerado como uma das estratégias de controle de bromato. O pH alto promove a formação do radical hidroxila (devido ao aumento da concentração de íons hidroxila presentes). Foi demonstrado que a formação de bromato aumenta de 10 ug/L em pH 6,5 para 50 ug/L em pH 8,2 Legube et al., (2004), enquanto Krasner et al. (1994) observaram uma diminuição de 60% na formação de bromato para cada queda na unidade de pH.
  3. Concentração de ozônio e tempo de residência (CT): o aumento do CT leva a um aumento na formação de bromato (Von Gunten & Hoigne, (1996) e Legube et al., (2004). O objetivo da desinfecção é um ponto importante a ser levado em consideração pois está relacionado ao tipo de microrganismos. Inativar bactérias e vírus requer baixos CTs de ozônio, portanto a conversão de brometo em bromato será baixa. O CT para inativar protozoários como os oocistos de Cryptosporidium parvum é mais elevado, com isso a probabilidade da conversão de brometo em bromato é mais alta. O CT necessário para atingir uma inativação de 2 log de Escherichia coli é cinco ordens de magnitude menor do que para parvum (von Gunten et al., 2001). No entanto, a 13° C, uma inativação de 3 log de Cryptosporidium requer um Ct de 22 mg min / L, enquanto a 22° C uma inativação semelhante requer um Ct de 8 mg min / L (Galey et al., 2004).
  4. Matéria orgânica natural: podem diminuir a formação de bromato ou aumentarem. Quando a água contém matéria orgânica o ozônio e os radicais hidroxila são consumidos pela oxidação de moléculas orgânicas e, portanto, retirados das vias de formação do bromato. Mas, dependendo da quantidade de matéria orgânica pode ser necessário adicionar mais ozônio, resultando em concentrações semelhantes ou, em alguns casos, maiores concentrações de bromato.
  5. Alcalinidade: a presença de espécies de carbono inorgânico (IC) aumenta a formação de bromato porque ambas as espécies de carbonato (CO3-2) e bicarbonato (HCO3) podem formar o radical carbonato (CO3) como resultado da oxidação por radicais hidroxila (von Gunten, 2003a). Uma vez que o radical carbonato foi formado, ele pode converter o hipobromito no radical hipobromito (BrO •) e então bromato (Kim et al., 2004).
  6. Amônia: pode remover um intermediário significativo do caminho de formação do bromato e reduzir a quantidade de bromato formado (Song et al., 1997). A amônia pode estar presente naturalmente nas águas a serem ozonizadas ou, alternativamente, pode ser adicionada antes da ozonização como uma estratégia de prevenção ao bromato. A amônia na água atua como um sequestrador do ácido hipobromoso (HOBr) que reagem e formam compostos de bromamina, que, por sua vez, podem ser convertidos de volta em brometo por meio da oxidação pelo ozônio.
  7. Temperatura: o aumento da temperatura aumenta a taxa de formação de bromato. Com o aumento da temperatura há o aumento da taxa de formação de bromato porque devido ao aumento da cinética da reação. E o equilíbrio entre muda para a direita conforme a temperatura aumenta devido a um aumento proporcional na constante de acidez (Legube et al., 2004).

Devido ao grande número de fatores que influenciam a produção de bromato, será necessário otimizar o tratamento equilibrando as vantagens e desvantagens de várias medidas em uma base individual para cada tipo de água mineral.

A myOZONE é a principal empresa do Brasil na implantação de ozônio industrial. Possui convênios com a Universidade Federal de Viçosa – UFV e a Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP laboratórios próprios que auxiliam empresas em pesquisas e desenvolvimento de protocolos com ozônio.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Departamento Nacional de Produção Mineral. Portaria nº 374, de 10 de outubro de 2009. Normas Técnicas para a Exploração de Água Mineral e Potável de Mesa. Brasília, DF: DNPM, 2009.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 888, de 5 de maio de 2021. Estabelece os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 7 maio 2021.

BULL, R. J.; COTTRUVO, J. A. Ozone, bromate and human health. Journal of the American Water Works Association, v. 98, n. 6, p. 68-77, 2006.

BUTLER, R. et al. Characterization of bromide sources and loadings to water treatment plants. Journal of Environmental Engineering and Science, v. 4, n. 6, p. 479-485, 2005.

EUROPEAN UNION. Council of the European Communities. Directive 2009/54/EC of the European Parliament and of the Council of 18 June 2009 on the exploitation and marketing of natural mineral waters. Official Journal of the European Union, L 164, p. 45–58, 26 June 2009.

FDA – Food and Drug Administration. Code of Federal Regulations, Title 21 – Food and Drugs, Part 165 – Beverages: Bottled Water. Silver Spring, MD: FDA, 2024.

GALEY, C. et al. Cryptosporidium parvum inactivation with ozone and chlorine dioxide. Ozone: Science & Engineering, v. 26, n. 5, p. 383-394, 2004.

GONÇALVES, R. F.; KECHINSKI, C. P. Subprodutos da desinfecção de água para consumo humano: formação e controle. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 16, n. 3, p. 263-272, 2011.

HEALTH CANADA. Bottled Water Regulations (Food and Drug Regulations, Division 12). Ottawa: Government of Canada, 2024.

KIM, J. G. et al. Formation of bromate during ozonation of bromide-containing waters: a kinetic model. Ozone: Science & Engineering, v. 26, n. 6, p. 511-523, 2004.

KRASNER, S. W. et al. The occurrence of disinfection by-products in US drinking water. Journal of the American Water Works Association, v. 86, n. 6, p. 65-76, 1994.

LEGUBE, B. et al. Bromate formation during ozonation of bromide-containing waters: effect of pH and ozone dose. Ozone: Science & Engineering, v. 26, n. 6, p. 473-482, 2004.

MAGAZINOVIC, R. S. et al. Bromide levels in natural waters: its relationship to levels of both chloride and total dissolved solids and the implications for water treatment. Chemosphere, v. 57, p. 329-335, 2004.

SONG, R. et al. Bromate minimization during ozonation. Ozone: Science & Engineering, v. 19, n. 5, p. 367-377, 1997.

VON GUNTEN, U. Ozonation of drinking water: Part II. Disinfection and by-product formation in presence of bromide, iodide or chlorine. Water Research, v. 37, p. 1469-1487, 2003a.

VON GUNTEN, U. Ozonation of drinking water: Part I. Oxidation kinetics and product formation. Water Research, v. 37, p. 1443-1467, 2003b.

VON GUNTEN, U.; HOIGNE, J. Bromate formation during ozonation of bromide-containing waters: interaction of ozone and hydroxyl radical reactions. Environmental Science & Technology, v. 30, n. 12, p. 3457-3464, 1996.

VON GUNTEN, U. et al. Inactivation of microorganisms by ozone and hydroxyl radicals: a kinetic study. Ozone: Science & Engineering, v. 23, p. 135-150, 2001.

VON SONNTAG, C.; VON GUNTEN, U. Chemistry of Ozone in Water and Wastewater Treatment. London: IWA Publishing, 2012.

WEINBERG, H. S. et al. Formation and removal of bromate in ozonation of waters containing bromide. Environmental Science & Technology, v. 27, p. 1146-1154, 1993.

 

 

Conteúdos relacionados

  • Ozônio-em-queijos-para-controle-fúngico-e-qualidade-sensorial
    03/08/2025

    Ozônio em queijos: controle fúngico e qualidade sensorial

  • Ozônio-em-carnes-na-conservação_-tenderização-e-segurança
    03/08/2025

    Ozônio em carnes: conservação, tenderização e segurança

  • Ozônio em bebidas aplicação estratégica na myOZONE
    03/08/2025

    Ozônio em bebidas: aplicado para a qualidade e segurança