Ozonização da Água: a revolução que começou na França

Ozonização da Água: a revolução que começou na França

13/10/2025
Ozonização da Água a Revolução que Começou em Paris

O artigo histórico “Lavando a Água com Gás”, publicado originalmente na Seleções do Reader’s Digest em junho de 1981, retrata de forma brilhante o nascimento de um dos processos mais revolucionários da engenharia ambiental: a ozonização da água. Em um contexto de poluição crescente e escassez de água potável, a França foi pioneira no desenvolvimento de um método capaz de eliminar micro-organismos, odores e compostos orgânicos sem o uso de cloro — um marco que redefiniu a forma como o mundo passou a tratar e purificar a água.

Mais de meio século depois, a myOZONE dá continuidade a esse legado científico com soluções de implantação industrial do ozônio aplicadas em diferentes setores — do tratamento de efluentes e reuso de água à sanitização de processos produtivos. Ao republicar este texto na íntegra, preservamos não apenas um registro histórico, mas também um testemunho do compromisso contínuo com a inovação, sustentabilidade e segurança hídrica que orienta a evolução das tecnologias de ozonização até os dias atuais.

Lavando a água com gás

Por: Stanley L. Englebardt
Seleções do Reader’s Digest – junho 1981

O duplo desafio da poluição e da crescente procura de água potável levou os franceses a criarem um novo processo de ozonização.

Junto à janela de um pequeno hotel da zona sul de Paris, eu olhava o famoso rio Sena, mas o cenário não era nada romântico. As águas lá embaixo tinham uma cor verde sombria, de poluição: torrentes de lixo deslizavam pela superfície, e a brisa que soprava trazia consigo um forte cheiro de esgoto. Enquanto eu observava, um homem numa barcaça despejou pela borda mais uns baldes de lixo.

É difícil imaginar alguém que beba água da tal fonte, mas foi exatamente isso que eu fiz momentos depois. E mais, achei-a cristalina, sem cheiro e agradavelmente refrescante, sem o mais leve indício de aditivos químicos.

Sem cloro? De que outro modo evitar-se as doenças provocadas pela água poluída, como a disenteria e a febre tifóide?

A resposta está num processo, simultaneamente antigo e moderno, chamado ozonização. Os franceses foram os seus pioneiros há cerca de 80 anos, mas desde então surgiram métodos de cloração menos dispendiosos. Reestruturado há talvez uns 20 anos, o processo de ozonização não só está transformando num elixir a conspurcada água do Sena, como prova ser um ótimo negócio para a empresa que o divulga, a Compagnie Générale des Eaux, com sede em Paris. Nos últimos anos, essa companhia, através da sua filial Trailigaz, instalou simplesmente cerca de 1.200 usinas de ozonização em 43 nações de cinco continentes.

Como funciona? O ingrediente-base é o ozônio — gás já conhecido há muito, que se forma quando uma descarga elétrica ou radiações ultravioleta “injetam” um átomo de oxigênio extra entre os dois que constituem uma molécula deste elemento. Podemos sentir o odor ligeiramente acre — cheiro de “ar puro” — do ozônio quando nos expomos a uma lâmpada de bronzear ou após uma trovoada. Contudo, também na estrutura atômica do oxigênio, se dois é bom, três é demais; por isso o átomo extra é facilmente desalojado e procura avidamente uma nova combinação química. Quando ele encontra um novo lar, completa o processo chamado ozonização.

Um exemplo clássico de oxidação é a ferrugem, que transforma um metal rígido em lascas quebradiças. O mesmo pode acontecer com os vírus e as bactérias, que, quimicamente, são combinações complicadas de moléculas orgânicas. Basta a adição de um só átomo extra de oxigênio a essas moléculas para se alterar completamente a sua estrutura, transformando-se um microrganismo letal numa inofensiva partícula.

As poderosas propriedades oxidantes do ozônio vêm sendo utilizadas há anos pela indústria para produzir metais, branquear tecidos e evitar a deterioração da carne. Esse gás foi usado pela primeira vez na purificação da água em 1906, quando os moradores de Nice se queixaram de que, de vez em quando, a água potável da cidade sabia a terra. Um jovem engenheiro formulou uma teoria segundo a qual, se se fizesse passar através da água um fluxo de ozônio, este poderia oxidar impurezas, tais como ervas e sujidade, que contaminassem as águas após chuvas torrenciais. A teoria estava certa, mas a aparelhagem para pô-la em prática era dispendiosa, e por isso o processo não foi aplicado em larga escala.

No início da década de 1920, a maioria das companhias abastecedoras de águas adotou a técnica de clorar, mais econômica, para destruir as bactérias da água causadoras de mau cheiro e doenças entéricas. Os consumidores que não apreciavam o sabor das águas assim tratadas bebiam água mineral engarrafada. Desse modo, na maior parte da Europa popularizou-se um sistema de “duas águas” — uma para usos domésticos, outra para beber.

Ozonização de água na França

“Mas na década de 1950,” diz um engenheiro da Comissão das Águas dos Subúrbios de Paris, “o crescimento da população implicou o uso cada vez maior da água do Sena e dos seus afluentes, e o aumento da poluição exigia maiores doses de produtos químicos. Chegou-se ao ponto em comumente dizer que a água de Paris tinha cheiro e gosto de uma piscina pública.”

A única solução, segundo parecia, era construir uma nova usina, ainda maior, de cloração. Foi aí que Edmond Pépin, nessa época presidente da Comissão das Águas (cujas instalações são dirigidas pela Compagnie Générale des Eaux), se lembrou das antigas usinas de ozonização.

Foi o princípio de uma arriscada aventura de muitos milhões de francos. Em 1938, construiu-se em Boulogne, subúrbio de Paris, uma pequena usina-piloto de ozonização. Sua finalidade era descobrir qual a combinação de filtração e ozonização que:

  1. removesse a complexa mistura de poluentes encontrados no Sena;
  2. destruísse ou neutralizasse a enorme variedade de bactérias e enterovírus;
  3. eliminasse os cheiros e sabores desagradáveis; e fizesse tudo isso a custo módico.

Em 1960, os engenheiros acharam que tinham encontrado a fórmula exata. Pépin ordenou a construção de uma usina maior em outro subúrbio de Paris, Choisy-le-Roi (a edificar por fases sobre os caboucos de uma antiga instalação de águas), e em 1968 uma das mais importantes usinas de tratamento de águas fluviais da Europa Ocidental foi oficialmente inaugurada. Custou o equivalente a 31 milhões de dólares.

Poderiam os parisienses desacostumar-se da sua água engarrafada tradicional? “O grande teste foi quando convidamos um grupo da imprensa a visitar a nova usina,” recorda Jacques Riols, chefe das relações públicas da companhia. Os convidados foram levados a uma sala onde se encontravam algumas tinas enormes, de porcelana, cheias de água. Umas continham a água clorada; outras, a água tratada pela usina. A diferença no aspecto era espantosa. Depois, os visitantes receberam taças de prata e pediu-se-lhes que as enchessem de água ozonizada. Finalmente, ofereceu-se-lhes água engarrafada. “Provem, comparem e dêem-nos a vossa opinião,” dissemos.

Com a solenidade com que fariam uma prova de vinhos, os visitantes encheram as suas taças, provaram ambas as águas e compararam as suas opiniões; mas, mesmo os seus paladares sofisticados, não puderam distinguir a água ozonizada da engarrafada, de marca.

Anos depois, mais de quatro milhões de pessoas em Paris e arredores bebiam de bom grado a água da torneira. O mesmo aconteceu com 12 milhões de outros franceses em 6 cidades e 500 povoados menores, pois a companhia não perdeu tempo em espalhar a boa nova e atender as encomendas. Não tardou muito que especialistas de água de todo o mundo afluíssem a Choisy-le-Roi.

Hoje, as instalações de água parecem-se com um grande parque industrial. Sete edifícios maciços e uma dezena de outros menores cobrem 12 hectares. Alguns deles possuem fachadas todas de vidro, deixando ver lá dentro o brilho do imponente equipamento de aço; não existem, porém, quaisquer reservatórios ao ar livre ou torres de aeração.

A minha visita começou com uma olhada bem de perto no rio. “Bombeamos daí cerca de 11 mil litros por segundo,” explicou o gerente de marketing da Trailigaz, Jacques Le Pauloué. Apontou para os grandes crivos que coam aquele incrível manancial de detritos e sujidades, e vi um sapato velho, uma cabeça de boneca, uma casca de laranja.

Le Pauloué levou-me então aos edifícios onde a água é primeiro tratada com dióxido de cloreto (em breve será substituído por uma ozonização prévia) e carvão ativado, e depois liberta das matérias em suspensão por meio de uma série de fases de filtragem. Havia, por exemplo, tanques “floculadores”, onde se utiliza um produto químico para envolver e sobrecarregar as partículas maiores, para que assentem no fundo dos tanques de sedimentação. Depois disso, deixa-se a água infiltrar-se lentamente através de camadas de areia de grão médio, com 1,5 m de espessura; e, mais abaixo, ela é obrigada a passar por uma laje de cimento poroso.

Enquanto nos deslocávamos, apercebi-me de que os nossos passos ressoavam pelas salas de cimento. Compreendi subitamente que percorrêramos quase 750m sem lobrigar nem uma só pessoa — ninguém para rodar as válvulas, verificar os tanques ou apenas inspecionar a água. “A automatização é o que nos permite ozonizar a água a um preço aceitável,” explicou o meu guia. “Todo o trabalho, inclusive a rede de distribuição, é controlado por três técnicos instalados junto de uma consola central.”

De fato, a paragem seguinte foi numa sala grande, dominada por aparelhagem, onde três técnicos, vestidos de branco, estavam sentados diante de grande aparato de mostradores, medidores, gráficos e botões de controle. Havia, no entanto, uma anomalia nesse mundo do futuro. Anteriormente, eu visitara uma estação de vigilância de águas, a cerca de 10 km a montante, em Ablon-sur-Seine. Aí, as trutas, que normalmente nadam subindo a corrente, são vigiadas eletronicamente em canais (“trutinómetros”), especialmente protegidos, pelos quais corre água do rio Sena não tratada. Foi então que eu vi o sistema de alarme que soaria na instalação principal se uma das trutas viesse descendo a correnteza. “Se esses peixes começassem a morrer de repente,” explicou um dos técnicos, “seria a nossa primeira indicação de que haviam sido vazados produtos químicos letais no Sena, a montante de Ablon.

Uma amostra da água do rio seria imediatamente analisada para a determinação da natureza exata do poluente, e, como a água demora cinco a seis horas para vir de Ablon até a nossa estação, teríamos tempo para adaptar convenientemente o processo de tratamento. Em casos drásticos, podemos fechar as comportas e as válvulas e parar as bombas até o poluente ter passado.”

A ozonização é a última fase importante do processo. Nessa altura, a água que já foi “lavada”, decantada e filtrada está parcialmente purificada. As impurezas que nela ficaram são, no entanto, potencialmente os mais perigosos de todos os poluentes — as bactérias ou vírus que podem transformá-la numa fonte corrente de pragas mortais.

O gás ozônio ocorre normalmente em enormes altitudes (o conhecido “golo azul” encontrado nos glaciares alpinos deve a sua cor ao elevado teor de ozônio que contêm), mas em Choisy-le-Roi esse gás tem de ser produzido. Primeiro, o ar comum é comprimido, refrigerado e seco; depois, é pressurizado dentro de cilindros de aço inoxidável, onde circula numa grelha horizontal de tubos metálicos e eletrodos de vidro.

Olhando pela portinhola de vidro desses tanques, pode-se ver o que acontece quando se faz passar uma corrente elétrica de alta voltagem; o interior brilha com uma luz violeta bruxuleante, o que indica que o ozônio está em formação. Em Choisy-le-Roi, 15 unidades produzem mais de três toneladas de ozônio por dia — o suficiente para tratar com 4 g de gás cada metro cúbico de água que passa através da estação. O gás é injetado no fundo do tanque e eleva-se para a superfície em miríades de pequenas bolhas. Segundo me disseram, os átomos extra de oxigênio, ao subirem, destroem em quatro minutos quaisquer bactérias e vírus não ativados que se encontrem na água. Quando esta deixa de borbulhar, fica com a característica cor azul de cristal do líquido ozonizado que eu bebi no meu quarto no hotel.

É claro que os peritos estrangeiros que têm ido inspecionar a estação ficam bastante bem impressionados. Equipadas pelos franceses, existem agora usinas de ozonização em todo o mundo, dos Estados Unidos à U.R.S.S., do México à Austrália. A maior usina de ozonização entrou em funcionamento em Moscou, em 1974. Trata-se de uma gigantesca instalação para produção de ozônio, que importou em quatro milhões de dólares e pode purificar diariamente até 1,2 milhão de metros cúbicos da água turva do rio Moskva.

Em Portugal, a população do complexo urbano-industrial da área de Sines vai ser abastecida, provavelmente ainda no decorrer deste ano, com água potável captada no alto Sado, em Ermidas, previamente ozonizada na Estação de Tratamento de Água (ETA) de Sines. Esta instalação tem capacidade para tratar 11,5 m³ por segundo de água para utilização industrial, e 0,5 m³ de água potável, que é ozonizada em duas últimas fases do seu tratamento.

Ela coloca-se em segundo lugar na Europa, a seguir à estação de Moscou, e em quinto no mundo. Também a Grande Lisboa será futuramente abastecida com água proveniente da barragem do Castelo do Bode. Embora de momento só esteja a funcionar uma pequena estação-piloto de tratamento, que inclui a operação de ozonização, a Empresa Pública das Águas de Lisboa (EPAL) tem em projeto a construção da Estação de Tratamento de Águas da Assiceira, concebida para debitar, numa primeira fase, 4,34 m³ por segundo de água tratada.

As unidades de ozonização dos nossos dias executam uma variedade de outros trabalhos, além de sanificarem a água potável. No Japão e nos Estados Unidos, por exemplo, são usadas para tratamento dos esgotos. Pequenas unidades de ozonização já estão instaladas em muitas piscinas públicas na França, Bélgica, Suíça, Alemanha, Áustria, Espanha e em algumas particulares de Portugal, para purificarem a água sem produtos prejudiciais aos olhos. Em Faro, na costa sul de Portugal, bem como em Sète, na costa mediterrânica da França, e na Espanha, os frutos do mar recém-apanhados são colocados em tanques de água do mar ozonizada, ficando assim limpos de bactérias e vírus prejudiciais, sem sacrifício do seu sabor ou da sua frescura.

Essas instalações permitem aos pescadores apanhar grandes quantidades de amêijoas e mexilhões sem o medo de os perderem por causa da poluição. A unidade instalada em Faro é considerada uma das maiores do mundo e nela também é tratado peixe. Em Portugal, outras pequenas unidades de ozonização já têm sido instaladas também em bebedouros de coelheiras, aviários, estábulos e chiqueiros. Esses são apenas alguns exemplos do futuro excitante que temos pela frente para um gás antigo agora redescoberto.

Mas não nos deixemos enganar por esse espetacular sucesso da ozonização. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, mais de 1.000 milhões de pessoas em todo o mundo ainda não têm acesso à água potável pura. Mesmo nos Estados Unidos, um inquérito federal recente revelou que muitas cidades estão utilizando água que não obedece a um mínimo de normas de segurança.

A única maneira de parar a destruição do nosso mais precioso recurso é acabar com a torrente de poluição que está transformando rios e lagos em fossas abertas. A ozonização pode livrar de impurezas uma parte da água, mas fica a nosso cargo proteger o abastecimento restante.

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